sexta-feira, 29 de novembro de 2013

"O mercador de coisa nenhuma" de António Torrado

"O mercador de coisa nenhuma" com textos de António Torrado
e ilustrações de Madalena Raimundo. Editado pelos Livros Horizonte.

“Abdul-ben-Fari, comerciante de tapetes na cidade de Abjul, vivia tranquilamente dos seus negócios, que lhe enchiam cada vez mais o cofre e lhe alegravam o coração. Era respeitado como um dos homens mais ricos da cidade e também, um dos mais felizes. Mas, num dos recantos do seu coração alegre (e não do seu cofre repleto), alojara--se um espinho de tristeza, que crescia e doía, às vezes.
Abdul-ben-Fari tinha um filho, Racib, quase um homem feito. Muito o preocupava Racib. Preocupava-o e afligia-o.
Que tristeza para Abdul-ben-Fari, quando espreitava o filho no armazém e o surpreendia a bocejar, sempre a contas com os infindáveis tapetes que era preciso desdobrar, escovar, limpar e voltar a dobrar, até que aparecesse um comprador que os levasse por mais do que eles valiam! Com que desgosto o pai de Racib via o seu único filho correr, mal fechava a loja, até à sombra de um jardim, para, de ouvido no chão, escutar o lento, progredir das raízes através da terra ou o erguer paciente dos caules em direcção à luz! E que estranha mania essa de contar as formigas de um carreiro, não sucedesse ter-se perdido alguma, desde a última vez que por lá passara! E quem viu doidice igual à de se debruçar para dentro de um poço e pronunciar palavras sem fim, que o poço alongava, como uma boca cheia de ecos?
- Alá quis que eu tivesse um filho de cabeça ao vento - lamentava-se Abdul-ben-Fari. - Que hei-de eu fazer?
Mas os mestres de Racib tinham-lhe apreciado a inteligência, os vizinhos diziam-no bondoso e os clientes achavam-no amável.(…) 
Um dia, depois de muito matutar, Abdul-ben-Fari chamou Racib, deu-lhe uma bolsa de dinheiro para as mãos e disse-lhe:
 - Como me parece que não gostas deste negócio de tapetes, nem eu quero a minha ruína, toma este dinheiro para aplicares no negócio que preferires. Vai para outra cidade, faz o que te aprouver. Sempre quero saber, de aqui a um ano, com uma fortuna voltas…
 Lá foi Racib para outra cidade, de outra terra. Como é que iria arranjar-se? Que fazer com aquela pequena fortuna? A bolsa com o dinheiro do pai pesava-lhe muito, mas ele não se decidia.
(…) No dia seguinte, encheu dois almudes de água pura, transportou-os para uma das ruas mais movimentadas da cidade e começou a apregoar:


- Quem quer gotas de água? Quem quer?
A sua voz cristalina soava alegremente, no meio dos pregões gritados pelos outros vendedores, mas ninguém queria gotas de água. Quando se aproximavam possíveis fregueses para encherem uma bilha, um barril ou um balde, Racib avisava-os:
 - Quero que vejam a água a cair, gota a gota. Reparem como brilha ao sol uma única gota, vejam como se arredonda e se alonga até se desprender, deixando outra à espreita no seu rasto. E os círculos que abre ao cair...
Os clientes iam embora, resmungando. (…)
Nesse dia, Racib não fez negócio, nem no dia seguinte, nem nos outros dias.Talvez fosse mais feliz noutra cidade. E Racib correu muitas terras, tentando vender as gotas de água que ninguém queria comprar.
- Vou mudar de negócio- decidiu , um dia.
Carregou duas grandes caixas de areia fina para as portas de uma cidade e começou a apregoar:
- Quem quer grãos de areia? Quem Quer?
- Quanto pedes pelas duas caixas? – perguntou um homem que passava.
- Só vendo um grão de cada vez, senhor. Repare que a areia, ao longe, parece cinzenta. Mas cada mão cheia contém um milhão de grãos todos diferentes. Eu tenho nestas caixas grãos azuis, pretos, amarelos, brancos e transparentes. Tenho grãos azulados, rosados alaranjados... de que cor quer?


Mas o homem já se tinha ido embora, enfadado com aquele mercador de coisa nenhuma. Sim, era esse o nome que lhe davam nas cidades por onde passara: - Racib, «O Mercador de coisa nenhuma». Que valor tinham gotas de água e grãos de areia? Para que serviam? Ninguém gastava o seu rico tempo e o seu rico dinheiro a mercar  tão insignificantes artigos. E a voz de Racib perdia-se como gota de água no meio do mar ou grão de areia no deserto.
 - Vou mudar mais uma vez de mercadoria.
 Instalou-se numa cidade, onde não era conhecido, e passou a vender sonhos.
- Como fazes para ter sonhos à venda? – perguntou-lhe um grande senhor, que o ouvira apregoar.
- Durmo, senhor – respondeu Racib.”
Fonte: interior do livro

E o que se passa a seguir
 vais ter de descobrir…

Requisita o livro na rede de bibliotecas do concelho de Arganil
Boas leituras!

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