"O mercador de coisa nenhuma" com textos de António Torrado e ilustrações de Madalena Raimundo. Editado pelos Livros Horizonte. |
“Abdul-ben-Fari,
comerciante de tapetes na cidade de Abjul, vivia tranquilamente dos seus
negócios, que lhe enchiam cada vez mais o cofre e lhe alegravam o coração. Era
respeitado como um dos homens mais ricos da cidade e também, um dos mais
felizes. Mas, num dos recantos do seu coração alegre (e não do seu cofre repleto),
alojara--se um espinho de tristeza, que crescia e doía, às vezes.
Abdul-ben-Fari
tinha um filho, Racib, quase um homem feito. Muito o preocupava Racib.
Preocupava-o e afligia-o.
Que tristeza
para Abdul-ben-Fari, quando espreitava o filho no armazém e o surpreendia a
bocejar, sempre a contas com os infindáveis tapetes que era preciso desdobrar,
escovar, limpar e voltar a dobrar, até que aparecesse um comprador que os
levasse por mais do que eles valiam! Com que desgosto o pai de Racib via o seu
único filho correr, mal fechava a loja, até à sombra de um jardim, para, de
ouvido no chão, escutar o lento, progredir das raízes através da terra ou o
erguer paciente dos caules em direcção à luz! E que estranha mania essa de
contar as formigas de um carreiro, não sucedesse ter-se perdido alguma, desde a
última vez que por lá passara! E quem viu doidice igual à de se debruçar para
dentro de um poço e pronunciar palavras sem fim, que o poço alongava, como uma
boca cheia de ecos?
- Alá quis que
eu tivesse um filho de cabeça ao vento - lamentava-se Abdul-ben-Fari. - Que
hei-de eu fazer?
Mas os mestres
de Racib tinham-lhe apreciado a inteligência, os vizinhos diziam-no bondoso e
os clientes achavam-no amável.(…)
Um dia, depois
de muito matutar, Abdul-ben-Fari chamou Racib, deu-lhe uma bolsa de dinheiro
para as mãos e disse-lhe:
- Como me parece que não gostas deste negócio
de tapetes, nem eu quero a minha ruína, toma este dinheiro para aplicares no
negócio que preferires. Vai para outra cidade, faz o que te aprouver. Sempre
quero saber, de aqui a um ano, com uma fortuna voltas…
Lá foi Racib para outra cidade, de outra
terra. Como é que iria arranjar-se? Que fazer com aquela pequena fortuna? A
bolsa com o dinheiro do pai pesava-lhe muito, mas ele não se decidia.
(…) No dia
seguinte, encheu dois almudes de água pura, transportou-os para uma das ruas
mais movimentadas da cidade e começou a apregoar:
- Quem quer
gotas de água? Quem quer?
A sua voz
cristalina soava alegremente, no meio dos pregões gritados pelos outros
vendedores, mas ninguém queria gotas de água. Quando se aproximavam possíveis
fregueses para encherem uma bilha, um barril ou um balde, Racib avisava-os:
- Quero que vejam a água a cair, gota a gota.
Reparem como brilha ao sol uma única gota, vejam como se arredonda e se alonga
até se desprender, deixando outra à espreita no seu rasto. E os círculos que
abre ao cair...
Os clientes iam
embora, resmungando. (…)
Nesse dia,
Racib não fez negócio, nem no dia seguinte, nem nos outros dias.Talvez fosse
mais feliz noutra cidade. E Racib correu muitas terras, tentando vender as
gotas de água que ninguém queria comprar.
- Vou mudar de
negócio- decidiu , um dia.
Carregou duas
grandes caixas de areia fina para as portas de uma cidade e começou a apregoar:
- Quem quer
grãos de areia? Quem Quer?
- Quanto pedes
pelas duas caixas? – perguntou um homem
que passava.
- Só vendo um grão de cada vez, senhor. Repare que a areia, ao
longe, parece cinzenta. Mas cada mão cheia contém um milhão de grãos todos
diferentes. Eu tenho nestas caixas grãos azuis, pretos, amarelos, brancos
e transparentes. Tenho grãos azulados, rosados alaranjados... de que cor quer?
Mas o homem já
se tinha ido embora, enfadado com aquele mercador de coisa nenhuma. Sim, era
esse o nome que lhe davam nas cidades por onde passara: - Racib, «O Mercador de
coisa nenhuma». Que valor tinham gotas de água e grãos de areia? Para que
serviam? Ninguém gastava o seu rico tempo e o seu rico dinheiro a mercar tão insignificantes artigos. E a voz de Racib
perdia-se como gota de água no meio do mar ou grão de areia no deserto.
- Vou mudar mais uma vez de mercadoria.
Instalou-se numa cidade, onde não era
conhecido, e passou a vender sonhos.
- Como fazes
para ter sonhos à venda? –
perguntou-lhe um grande senhor, que o ouvira apregoar.
- Durmo, senhor – respondeu Racib.”
Fonte: interior do livro
E o que se passa a seguir
vais ter de descobrir…
vais ter de descobrir…
Requisita o livro na rede de bibliotecas do concelho de Arganil
Boas leituras!
Boas leituras!
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